Venerável nascente da Cristandade

 

Muito do que se tem admirado da Civilização Cristã ao longo dos séculos, e se admirará até o fim dos tempos, pode-se dizer que nasceu de uma gruta. Aberta no meio de montes ásperos e  íngremes, ela abrigou o jovem Bento de Núrsia, que ali se refugiara para encetar sua vida contemplativa. Nela, ele forjou sua magnífica e santa alma de patriarca.

E dela se irradiou a Ordem Beneditina, da qual floresceu o movimento cluniacense, do qual, por sua vez, brotou a sociedade católica medieval. Uma gruta, portanto, imensamente venerável.

Trata-se de Subiaco, a “tintura mãe”, a fonte de onde jorrou a água da cristandade européia ocidental, de cujo desenvolvimento nasceriam a América e todas as expansões católicas pelo mundo.

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As montanhas se sucedem e se encontram em vértices acentuados. Nenhuma delas cai de modo bonito. Nenhuma desenha as flexões e de flexões suaves dos montes da Baía da Guanabara. São  elevações agrestes, justapostas pela mão do Criador, não se conhecem, não são amigas umas das outras, e mais parecem dilaceradas diante do firmamento. Para que servem?

Para o vazio, para a aridez, para o isolamento dos homens chamados a viver na solidão. Ali, o religioso se sente imerso na terra abandonada e rude, pois para ele a existência neste mundo nada reserva.

O seu viver é olhar para o Céu: “Pater Noster qui es in coelis, sanctificetur nomen tuum”…

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A gruta… É muito bonito, poético até, dizer que São Bento encerrou-se ainda moço numa gruta. Porém, o peregrino que visita Subiaco surpreende-se ao contemplar aquelas pedras ríspidas — em todo o sentido da palavra ríspida — com as quais o jovem ermitão teve de conviver. Pouca ou nenhuma beleza as distingue. Todas parecem uma amálgama constituída em épocas pré-históricas, quando ainda escorriam à maneira de cera de vela, acumulando-se na desordem, e na desordem se petrificando, depois de calores e frios espantosos. Tudo é desconforto, tudo é solidão, tudo é Céu! Devemos imaginar São Bento vivendo aí, lendo, meditando, rezando, talvez sem se dar conta de que, naquele fundo de rocha, a Cristandade européia estava nascendo.

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As construções, por sua vez, erguidas com certa irregularidade, apresentam no seu conjunto uma beleza indefinível, ressaltada pelo fato de se confundirem com penhascos estupendos, que têm algo de profético, pois neles parece encerrar-se todo o futuro da ordem beneditina.

Arcarias românicas servem de arrimo para os grandes edifícios do mosteiro. Arcos que transmitem uma ideia de lógica, de força, de calma, que têm seu encanto próprio, e mesmo uma certa majestade. Refletem eles algo da retidão, da despretensão e da robustez da alma do magnífico Patriarca.

A um canto, o pequeno campanário, singelo e modesto, mas suficiente para abençoar aquelas solidões, na aurora e no pôr do sol, com o timbre do seu bronze a saudar a Virgem Santíssima nos  toques do Angelus.

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Dir-se-ia que o ambiente próprio para ser o berço da cristandade medieval deveria ser mesmo essa solidão predestinada, na qual o espírito humano se compraz em imaginar que a vegetação, as grandes árvores, os penhascos e as ondulações do terreno eram impregnadas de graças vaticinadoras do que adviria para a Europa nos séculos medievos.

E ainda que São Bento não soubesse nem previsse tudo o que estava por nascer, ele tinha entretanto seus anseios e ideais de uma civilização cristã. E todas aquelas montanhas, pedras e penhascos repercutiam os seus ideais; e os ventos, quando ali sopravam, pareciam cantar os seus anseios.

Resultado, quando hoje se visita Subiaco, procura-se interrogar aqueles montes e quelas grutas que ouviram os ecos dos passos de São Bento, os soluços e os prantos dele durante as crises e  tentações, o sussurro de suas preces e os seus cânticos de alegria. Procura-se, enfim, sentir de algum modo as ressonâncias de uma história que lá se passou, de um futuro que lá se engendrou, e perceber os reboares de bênçãos e graças que ali reinaram, que ali ainda palpitam.

Em Subiaco, tem-se a impressão de que se toca o Céu com as mãos. Mais ainda. É o Céu que baixa à Terra e inunda os homens com sua bondade, sua sacralidade e sua grandeza.