Uma santa imperatriz virgem abala duas heresias

Dr. Plinio dava grande importância à sociedade temporal, a qual deve secundar a obra da Igreja. Santa Pulquéria, sendo Imperatriz do Império Romano do Oriente, ocupou o mais alto cargo na esfera temporal e contribuiu possantemente para o esmagamento das heresias de Nestório e de Eutiques.

 

A  respeito da Imperatriz Santa Pulquéria, virgem, temos alguns dados biográficos extraídos de diferentes fontes(1).

Um dos mais belos episódios da História

Ao lado de São Cirilo de Alexandria em sua luta contra Nestório, no triunfo da Mulher sobre o antigo inimigo, aparece-nos a admirável figura de uma mulher, de uma santa que foi, durante quarenta anos, o terror do inferno, e por duas vezes, em nome da Rainha do Céu, esmagou a cabeça da serpente odiosa.

Num século de ruínas, encarregada aos quinze anos da direção do Império, Pulquéria deteve por sua prudência, por sua energia, as convulsões internas, enquanto que, ­pela única força dos Salmos divinos — que ela entoava com ­suas irmãs, virgens como ela —, continha os bárbaros.

Vejam que coisa linda! Bizâncio, capital deslumbrante, amável, com as suas suntuosas igrejas, seus palácios, seus estádios, suas escolas, seu luxo! Ali se encontrava instalada uma imperatriz que canta os Salmos com suas irmãs virgens e, por essa forma, rechaça os bárbaros que invadiam o Império, e protege aquele reduto da Cristandade contra toda deterioração.

Este coro da Imperatriz com suas irmãs virgens, cantando Salmos para a proteção do Império, é um dos mais bonitos episódios que a História possa ter apresentado à consideração humana.

Grande devota de Nossa Senhora

Enquanto o Ocidente agitava-se nas convulsões da última agonia, o Oriente encontrava no gênio da sua Imperatriz a prosperidade dos mais belos dias.

Vendo a neta do grande Teodósio consagrar suas riquezas privadas para multiplicar, nos seus muros, as igrejas dedicadas à Mãe de Deus, Bizâncio aprendia com ela o culto a Maria, que devia ser a sua salvaguarda em tantos dias maus. E valeria do Senhor, Filho de Maria, mil anos de misericórdia e de compreensível paciência.

Com efeito, o Império Romano do Ocidente estava caindo, devido aos bárbaros que o invadiam. Mas, nos quarenta anos de governo de Santa Pulquéria, aquela torrente de bárbaros, por razões que os historiadores nem chegam a afirmar inteiramente, não desceram até Bizâncio, cidade que era tão ou mais rica do que Milão, ou Ravena, ou Roma, então meias capitais do Império Romano do Ocidente.

Santa Pulquéria foi saudada pelos Concílios gerais como a guardiã da Fé e o sustentáculo da unidade.

Segundo São Leão, a parte principal em tudo que neste tempo se fez contra os adversários da Verdade Divina, foi Santa Pulquéria. Diz esse grande Papa que duas palmas estão em suas mãos, duas coroas sobre sua cabeça, porque a Igreja lhe deve a dupla vitória sobre a impiedade de Nestório e de Eutiques, que, embora divididos no ataque, visavam o mesmo fim: a negação da Encarnação e do papel da Virgem Mãe na salvação do gênero humano.

Num século cheio de santos, ela abalou duas heresias e foi considerada o principal fator para esmagá-las, apresentando, portanto, alguns aspectos por onde nos faz lembrar Nossa Senhora que, sozinha, esmagou as heresias em todo o mundo.

Grande devota da Mãe de Deus, Santa Pulquéria construiu numerosas igrejas dedicadas a Ela, em Bizâncio, o que fez retardar especialmente a queda do Império, porque a devoção a Maria Santíssima é o meio para perpetuar a vida e evitar qualquer espécie de morte.

Elogiada pelo Papa São Leão Magno

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso esforço toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé”. Foi com essas palavras que o Papa São Leão prestou homenagem à Imperatriz Pulquéria, digna neta de Teodósio, o Grande.

Tinha ela sido batizada por São João Crisóstomo em Constantinopla e, muito nova ainda, fizera voto de virgindade juntamente com duas irmãs menores.

Quando morreu Acab, seu pai, foi proclamada Augusta tendo apenas quinze anos, e passou a governar sob tutela de Teodósio II, dois anos mais novo do que ela.

Em 414 assumiu todas as responsabilidades do governo, raras vezes vendo-se tanta prudência aliada à tamanha precocidade.

Quando Teodósio II chegou aos vinte anos, Pulquéria concorreu para que ele desposasse Atenaís, filha de um filósofo pagão de Atenas. Batizada com o nome de Eudócia, esta princesa acabou por perseguir a cunhada porque exercia influência sobre Teodósio, obrigando-a que se retirasse da Corte.

Pulquéria manteve-se afastada durante três anos até que, em 450, São Leão pediu-lhe encarecidamente que viesse em auxílio da ortodoxia ameaçada.

Condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431, o Patriarca Eutiques tinha, por fim, caído nas boas graças do Imperador, e a heresia triunfava, então, com a sua pessoa na sede de Constantinopla.

Bastou que Pulquéria aparecesse na Corte para acabar com tais abusos, e conseguir que o Concílio de Calcedônia condenasse o eutiqueísmo e seus adeptos.

Entretanto, deu-se a morte de Teodósio e o afastamento de Eudócia, o que tornou Pulquéria senhora absoluta do Império, nessa altura ameaçado por Átila.

A fim de estabilizar sua autoridade, Pulquéria decidiu casar-se com o General Marciano, oito anos mais novo do que ela. Marciano respeitou seu voto de virgindade, perseguiu os partidários de Nestório e de Eutiques, e obrigou Átila a afastar-se das fronteiras.

Santa Pulquéria faleceu em 453.

Santos ocupavam o mais alto cargo no campo espiritual e no campo temporal

Sem dúvida, é uma lindíssima vida, toda cheia de ensinamentos e observações que se prestam a mais alguns comentários.

Em primeiro lugar, o papel importantíssimo que tem para os costumes e para a Religião o fato de que as pessoas altamente colocadas deem um bom exemplo, e que os detentores do poder público atuem de maneira a impor a Religião e os bons costumes. Esse elogio feito pelo Papa São Leão é decisivo a esse respeito.

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso espírito, toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.”

Uma determinada mulher consagrada a Deus subiu ao trono imperial, deteve as rédeas do governo e um cargo que dava uma influência sobre os costumes de todo o Império, e soube utilizar-se bem desses meios que a Providência colocou em suas mãos. Por causa disso a Igreja, tendo no momento um Papa santo e, portanto, capaz das maiores coisas em beneficio dela, proclamou, pela boca do Pontífice, todo esse imenso beneficio que a Santa Pulquéria se deveu.

É verdade que a Religião precisa ser servida, antes de tudo, por sacerdotes, por Papas santos, mas um Pontífice santo reconhece que não basta isso; é necessário haver nos postos importantes da vida civil gente que ame a Igreja com todo o coração, com a preocupação única de servi-la e mais nada. A prova disso encontra-se neste fato: no mais alto cargo espiritual da Terra havia um Papa santo, mas a Providência não teria feito todo o bem que fez se não tivesse existido também uma santa no mais alto cargo temporal.

Isso mostra como os fiéis, sob a inspiração e orientação do bom clero, têm um papel próprio e importantíssimo na obra de estruturação da Civilização Cristã.

De outro lado, vemos como Santa Pulquéria, durante sua vida inteira, só cogitou do serviço de Deus.

Parece que nesta vida tão admirável houve um fato desconcertante: por que razão Santa Pulquéria quis que Teo­dósio II desposasse Ate­naís, filha de um filósofo pagão de Atenas? Essa narração ­será ver­dadeira? Em rigor, não é impossível que houvesse uma razão justa para isso. O fato concreto é que o heresiarca Eutiques obteve várias vitórias por causa disso.

E mais uma vez se vê o mesmo princípio: sai do poder uma imperatriz boa, entra outra má, tudo se arruína; de tal maneira os cargos da sociedade temporal são importantes para a realização da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É interessante notar o que se conta nessa ficha a respeito de Átila. Quando ele veio da Hungria para invadir o Império Romano do Ocidente, não se dirigiu imediatamente a este, mas desceu e ameaçou o Império do Oriente. Ali ele foi derrotado, e só então se dirigiu para o Império do Ocidente, onde produziu devastações tremendas que deixaram esse Império todo abalado, combalido, para cair debaixo de outros choques que não tardariam a vir.

Eis o efeito da presença de uma imperatriz santa servindo de “para-raios” e afastando inimigos terríveis, de maneira que o Império do Oriente veio a cair mil anos depois da queda do Império do Ocidente.

Devemos pedir a Santa Pulquéria que obtenha para nós a graça de compreendermos e fazermos compreender essas verdades, e de exercermos a nossa tarefa na sociedade temporal com ardor renovado, porque entendemos bem como isso está dentro dos planos da Providência.

(Extraído de conferências de 10/9/1965 e 10/9/1966)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos das obras citadas por Dr. Plinio nesta conferência.