Supremacia, nobreza e serenidade

A arte medieval me levou à conversão, pois aprendi as verdades da Igreja Católica nas criptas das velhas igrejas e catedrais europeias.

Assim se exprimiu Pugin, um dos mais ilustres arquitetos ingleses do século XIX, que havia sido educado num rígido calvinismo. Tendo se tornado católico, dedicou-se de corpo e alma ao renascimento do gótico na Inglaterra, posto ser a única arte que ele considerava realmente cristã. E teve sucesso, embora, após a sua morte, vários dos edifícios que construiu tenham sofrido  reformas, mudando-se-lhes propositadamente o estilo original. Outras de suas notáveis obras tiveram seu nome apagado e substituído pelos de arquitetos anglicanos.

Um exemplo é o Parlamento de Westminster, do qual, durante muito tempo, julgou- se que somente alguns detalhes triviais eram de Pugin. Hoje se sabe com certeza que são dele toda a fachada que dá para o rio Tâmisa e a famosa torre do relógio.

Grato me é constatar a comprovação histórica dessa autoria, pois vem corroborar a impressão que tive quando pude contemplar de perto o Parlamento inglês e a torre do Big Ben. Aquele conjunto arquitetônico pareceu-me tão medieval, tão acertada e retamente católico, que pensei: “Pode ser que, aqui, a Igreja Católica tenha deixado algumas das melhores marcas de seu próprio pensamento e de sua própria alma”.

O que existe ali de especial?

Não é, por exemplo, o que há de peculiar na Catedral de Colônia ou na de Notre-Dame de Paris. A primeira  possui algo de feérico, uma espécie de explosão de pedra, de uma imponência extraordinária, na qual, mais do que a razão, está presente a imaginação germânica no que ela tem de categórico. Ou seja, não se trata de uma concepção suave nem poética (no sentido doce da palavra), mas é a ideia de quem desejou construir uma epopeia grandiosa e, desse modo, marcar todos os séculos com uma nota de magnitude mais celeste do que terrena.

Assim, a característica saliente da Catedral de Colônia é algo de fantasioso e imaginativo, que o espírito possante conseguiu realizar.

Na catedral de Notre-Dame encontramos a conjugação da fantasia com a razão. Dir- se-ia que a fantasia concebeu uma construção magnífica e que, depois, a razão colocou os planos em ordem, introduziu simetrias, bons sensos e harmonias quase clássicas, sem subtrair nada do sublime e do extraordinário próprios ao medieval.

Já a fachada do Parlamento de Westminster e a torre do relógio representam, dentro desse conjunto, algo de diferente. Não é a afirmação predominante da fantasia, nem a admiração predominante da razão, mas é uma reunião de dois valores diversos que se situam numa outra ordem de idéias: a força e a delicadeza.

Sua fachada é toda feita de linhas longas que se repetem, e de um grande desdobramento estendido numa amplitude de horizonte que, sem ter o “élan” de Colônia nem a espécie de harmonia superlativa de Paris, possui entretanto uma categoria que lhe é peculiar. Ela se reveste de imensa dignidade, de superior  elevação e de alta nobreza, com algo de sereno, de senhor de si, de afável e, ao mesmo tempo, de sacral e de sério, reunindo assim extremos opostos. E toda obra de arte que, numa fusão, alia extremos opostos — que um espírito comum poderia julgar contraditórios —,  realiza algo de supremo no seu próprio gênero. Supremacia esta que, a meu ver, a fachada do Parlamento inglês logrou alcançar.

Nela, o aspecto força se faz notar também na forma de uma grandeza estável, que não se entregará a novos empreendimentos, sem todavia começar a decair. Ela se senta sobre seu próprio poder e se põe a meditar em suas glórias imorredouras… O mesmo se pode dizer da torre do relógio, uma verdadeira maravilha digna de ser justaposta ao edifício do Parlamento. Este, ao ter de ostentar uma torre, só pode ser uma como aquela: tão coerente, tão lógica, tão bela, porém com essa doçura, essa suavidade dos ingleses que o gênio católico depositou ali pelas mãos de Pugin, que soube interpretar os edifícios nos seus planos originais e comunicar um sopro de catolicidade a tudo aquilo.

Ele soube compreender, de modo ímpar, a nostalgia que a Inglaterra, anglicana e industrial, sentia — e ainda sente — daquela primeira Inglaterra, católica, feita mais para conquistas de ordem cultural do que para triunfos de ordem material. Ele, o arquiteto católico (como era chamado), soube, por meio de símbolos, tocar a fundo a alma de seu país, e realizar monumentos que  incontáveis protestantes não têm cessado de admirar até os presentes dias.

Muitos dos monumentos e edifícios projetados por Pugin não saíram do papel. Se porventura, no mundo de hoje, fosse dado a alguém construir uma obra que ele planejou, mas não pôde levar a cabo, prestaria a mais alta homenagem que se pode tributar a esse varão, verdadeiro artista católico. Seria a realização póstuma de mais um de seus grandes sonhos inspirados pela Fé.

Plinio Corrêa de Oliveira