Sorriso inefável

 

Que Vos levaria, Senhor, a sorrir do alto da Cruz? Que abismo de contradição entre as dores que da cabeça aos pés Vos atormentam o Corpo sagrado, e esse sorriso que aflora doce, suave, meigo, entreabrindo-Vos os lábios e iluminando-Vos o rosto! Sobretudo, Senhor, que contradição entre o abismo de dores morais que enche vosso Coração, e essa alegria tão delicada e tão autêntica que transluz em vossa Face! Contra Vós, todo o oceano da ignomínia e da miséria humana se atirou. Não houve ingratidão nem calúnia que Vos fosse poupada. Pregastes o Reino do Céu, e vossa pregação foi rejeitada pelo vil apetite das coisas da Terra. O demônio, o mundo, a carne, em infame revolta contra Vós, Vos levaram ao patíbulo, e aí estais à espera da morte. E, entretanto, sorris! Por quê?

Vossas pálpebras estão quase cerradas. Mas ainda podeis ver algo. E o que vedes é, Senhor, a maior maravilha da Criação, a obra-prima do Pai Celeste, uma alma – e quanta beleza pode haver em uma alma, embora o ignore o materialismo de nosso século – riquíssima e íntegra em sua natureza, cumulada por todos os dons da graça, e santificada por uma correspondência contínua e perfeitíssima a todos esses dons! Vedes Maria. Vedes vossa Mãe. E no meio de todos os horrores em que estais imerso, tal é a maravilha que vedes que sorris afetuosamente, para alentá-La, para Lhe comunicar algo de vossa alegria, para Lhe dizer vosso infinito e sublime amor.

Vós vedes Maria. E ao lado da Virgem Fiel, vedes os heróis da fidelidade: o Apóstolo virgem, as Santas mulheres, a fidelidade da inocência e a fidelidade da penitência. Vosso olhar, para o qual tudo é presente, vê mais, pois se alonga pelos séculos e Vos faz ver todas as almas fiéis que hão de Vos adorar ao pé da Cruz até o dia do Juízo. Vedes a Santa Igreja Católica, vossa Esposa. E por tudo isso sorris com o sorriso mais triste e jubiloso, o mais doce e compassivo sorriso de toda a História.

Entre as miríades de almas que seguindo a Maria estão ao pé da Cruz, e para as quais sorris, também está a minha, Senhor? Humilde, genuflexo, sabendo-me indigno, entretanto eu Vos peço que sim. Vós que não expulsastes do Templo o publicano, pelas preces de Maria não rejeitareis para longe de Vós um pecador contrito e acabrunhado. Dai-me, do alto da Cruz, um pouco de vosso sorriso inefável, ó bom Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Catolicismo n. 148, abril de 1963)

Revista Dr Plinio 253 (Abril de 2019)