Santa Gertrudes e a linguagem simbólica de Deus

Aproveitando a ocasião de uma Festa de Cristo Rei, Dr. Plinio comenta, enlevado, os diversos reluzimentos da infinita majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo ao longo de sua passagem neste mundo. Majestade coroada nas glórias da Ressurreição e perpetuada nos grandiosos acontecimentos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Ao considerarmos a celebração da realeza de Cristo e, pois, da majestade do Filho de Deus, creio ser conveniente voltarmos nossos olhos para um aspecto pouco ressaltado quando se aborda esse tema.

Risco, dor e dever são inerentes à majestade

Majestade, do latim “major stare”, significa estar acima, no píncaro. Devemos então começar por compreender que essa condição de supremacia envolve muita reflexão. Não uma reflexão qualquer, mas inspirada, iluminada e elevada pela graça. Esse teor de pensamento patenteia, à pessoa que se encontra nessa posição suprema, o dever, o risco e a dor inerentes à sua condição. Porque possuir majestade consiste também — e não na menor medida — em aceitar a dor, o risco, as obrigações com todos os seus ônus.
Alguns espíritos contemporâneos, superficiais e avessos à reflexão, amigos das facilidades e inimigos da dor e do sofrimento, talvez se sintam contrariados com essa noção de majestade. Tal recusa, porém, não torna essa noção perempta, porque ela permanece invariável: se alguém se afasta dela, não é o conceito que decai, e sim esse alguém. Mais ou menos como um navio que afunda e, por isso, se distancia da luz do sol. Não é o astro que soçobra e desaparece, mas o navio. O sol continua a brilhar no alto dos céus.

A majestade autêntica provém da Fé

As grandes verdades e normas, os grandes princípios e planos, as grandes máximas e execuções são os aspectos por onde um homem, mesmo de condição comum, pode ter majestade. Portanto, essa majestade todo indivíduo deve desejar, sem nenhum prejuízo para a modéstia e a virtude da humildade que ele igualmente deve praticar.
Pois, entendamos, a majestade não é uma faceirice como uma gravata ou um atavio que vestimos para mostrar aos outros: “Veja, chegou-me de Paris”. Não, a autêntica majestade não é enfeite, e nunca ensoberbece aquele que a possui. Pelo contrário, o indivíduo que tem majestade se sente sempre pequeno diante dela, compreende que, por mais majestoso que seja, como simples indivíduo não é diferente de todo mortal. A majestade lhe vem da fé, da influência da Santa Igreja à qual ele se dispõe a aceitar. Se for honesto consigo mesmo, ele se perguntará sempre se levou sua própria majestade à altura para a qual foi criado.

O Rei por excelência, crucificado e rejeitado

Tocamos, então, no exemplo sublime que ilustra os conceitos acima considerados: Nosso Senhor Jesus Cristo.
Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvário, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejeitado por excelência, como nenhum outro ser humano fora nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nosso Senhor não fez senão procurar atrair os outros, manifestando-lhes uma sabedoria, uma misericórdia e uma bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natureza tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um poder capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias e que já cheirava mal, com uma simples ordem: “Lázaro, sai para fora!”
As tempestades agitam as águas do mar e, a uma palavra d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher algumas bilhas de água e, quando o mordomo se põe a servir, espanta-se com a qualidade do vinho que é oferecido aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta que, com os restos, ainda enchem doze canastras.
Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se sucediam. Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis. Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença divinas estavam repletos de dons ofertados aos homens. O povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em favor do facínora Barrabás.
Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada perdeu de sua majestade infinita, de sua distinção incomparável. Qualquer um que, de olhar límpido e isento de preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e diria: “Meu Rei!”
Não houve nem haverá na História um monarca que tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majestade.

Grandeza régia do cadáver divino

Nosso Senhor morre, alguns discípulos mais corajosos retiram o corpo d’Ele da cruz. Ao longo dos séculos, os pintores têm se empenhado em salientar um aspecto verdadeiro da descida da cruz, isto é, o corpo santíssimo de Jesus sujeito às leis da gravidade, sem vida, pendendo para onde o inclinam. Retirado do madeiro, o depositam no colo virginal de Maria Santíssima e o preparam para ser deixado na sepultura. Igualmente se esforçam os artistas em retratar a dor da Mãe e a inanição do Filho.
Entretanto, se me fosse dado sugerir algo a um pintor ou escultor, pediria que encontrasse um meio de apresentar, na simplicidade e misérias extremas dessa Mãe e desse Filho, a sublime majestade de ambos: a régia grandeza do cadáver divino, e como Maria se sentia dignificada com aquele tesouro depositado no seu colo.

Incomparável majestade da Ressurreição

Pensemos, em seguida, na Ressurreição e naquilo que poderíamos chamar de “re-esplendor” da majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo. No interior do jazigo, escuridão profunda. Mais majestoso do que todo o céu e do que toda a terra, ali repousa o corpo exangue do Redentor. Em determinado momento — imaginemos — a alma santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo a ele retorna e o revivifica, vencendo a morte.
Se um relâmpago, mera descarga elétrica, pode ser majestoso; se o sol, cujo fulgor é produto de gases em combustão, tantas vezes nos parece envolto em majestade, que dizer da apoteose que terá sido a alma de Cristo voltando ao seu corpo?
O tema é por demais elevado para nossas cogitações, e creio que pincel de artista algum seria capaz de representá-lo de maneira conveniente.
A pedra do sepulcro se move e o Senhor Glorioso abandona as trevas do túmulo para reaparecer na luz da vida. É a primeira festa de Páscoa da História da Igreja e que se repetirá, todos os anos, até o fim dos tempos. Majestade!

Pentecostes e as catacumbas: exemplos perfeitos de majestade

Poderíamos ainda evocar outras cenas que se seguiram à gloriosa Ressurreição do Rei Divino, as quais espargem reflexos de sua infinita majestade.
Cenáculo. Nossa Senhora e os Apóstolos estão ali reunidos, recolhidos em oração e recordações dos ensinamentos do Mestre. Sentem que algo de extraordinário está por acontecer. Seus corações se inflamam a cada nova oração, a cada nova lembrança das palavras de Jesus. O ambiente se reveste de grandeza, e os discípulos se tomam de um encantamento crescente pela pessoa de Maria Santíssima, vendo n’Ela a imagem do Filho. Tudo reluz.
Subitamente, quando pensam que atingiram o auge de suas cogitações, tudo ainda estava por vir: o Divino Espírito Santo aparece em forma de línguas de fogo e deita sobre cada um deles a plenitude de seus dons. Majestade!

Apresentação no Templo, por Gentile da Fabriano – Museu do Louvre, Paris


Muda a cena. Correm os séculos, e estamos nas catacumbas de Roma. Labirintos escavados no subsolo da velha urbe. Terra onde os cristãos depositam os corpos inanimados dos seus mártires. Naqueles túneis vivem e transitam pessoas humildes e ilustres, ricos e estropiados, católicos de todas as condições que iam assistir a Missa celebrada pelo sucessor de Pedro.
É uma noite de Natal, digamos. Noite comum para os romanos antigos, alguns dos quais se embriagavam em orgias; mas, lá embaixo, naquela cidade sob a cidade, entre paredes ornadas com pinturas primitivas que lembram cenas evangélicas, o Papa celebra o nascimento e a glória de Cristo. Exemplos perfeitos de majestade.

Revestida de seu manto majestoso, a Igreja atravessa os séculos

É a majestade da Fé, a majestade do sobrenatural professada até nas condições hostis e adversas das catacumbas, desafiando o martírio e a morte, enfrentando o império mais poderoso da Terra, admirando a pessoa do vigário daquele Cristo que adoram, com uma reverência tão grande que sua admiração ilumina aquele subterrâneo inteiro.
Majestade das almas, e, mais ainda, majestade de Deus que de algum modo se comunica àqueles primeiros cristãos e brilha nos seus olhares e na suas demonstrações de Fé.
Majestade primitiva da Igreja que continha em germe todas as majestades que ela manifestaria ao longo dos séculos, nas suas liturgias e na sua história, como uma rainha revestida de um imenso e precioso manto de beleza.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/11/1982)