Mistérios e encantos do passado…

 

Atrás de majestosos portais, escadas que, ao subir, se perdem na penumbra, no mistério. A escadaria cambaia e meio inclinada, cujos degraus cansados e enfraquecidos certamente rangem quando neles se pisa, a escadaria que há muito não vê vassoura e não recebe o adorno de uma prestigiosa passadeira vermelha, fala entretanto de um passado longínquo, lamenta saudosas glórias. Tem-se a impressão de que, a qualquer momento, durante a noite, Igrejas-palácios, palácios-igrejas que conservam restos de dignidade e pulcritude; casas delabrées, escalavradas pelas injúrias do tempo, mas cujos antigos esplendores ainda se ufanam de se manifestar. Paredes que perderam o revestimento, velhos tijolos aparentes, emoldurados por colunas e esculturas que lhes emprestam uma nota de seriedade, de gravidade e de nobreza, descerão por ela num conciliábulo profundo as pessoas que aí viviam, para saírem correndo e tomarem gôndolas, depois de transmitida uma palavra de ordem e de executada uma conspiração.

Nas entradas dos canais, gôndolas vazias parecem dormitar à espera de tripulação, amarradas a estacas de formas incertas, fincadas no fundo do mar raso, à maneira de uma floresta de linhas e silhuetas que querem exprimir não se sabe o quê. No topo de algumas delas vêem-se lampadários de vidros policromados, cintilantes durante a noite para sinalizar que não esbarrem, porque ali estão algumas das gôndolas de Veneza!

E as cúpulas da gloriosa Catedral de São Marcos, encimadas por cruzes de uma fantasia magnífica, leves e poéticas a ponto de darem a impressão de que, ao bater o vento, seus adereços de metal começarão a se agitar e a tocar música pelos ares!

E o célebre Palácio dos Doges, com seu estilo ogival caracteristicamente veneziano, apoiado sobre um leve rendilhado de pedras que confere ao conjunto um efeito de agradável distensão. Ele é frágil, delicado, maravilhoso, e pode perdurar pelos séculos afora, do mesmo modo como tem se sustentado há centenas e centenas de anos, sem o menor perigo.

Veneza, um extraordinário exemplo dos mistérios, atrativos e encantos do passado…      ❖