Intimidade suprema, distância infinita

Exemplo daquilo que costumava ensinar a seus seguidores, Dr. Plinio se deleitava em contemplar a ordenação das coisas criadas como reflexos de Deus e caminho que a Ele nos conduz. Nas suas palavras aqui transcritas, compara os diferentes reinos da natureza, cujas insondáveis diversidades nos fazem “intuir a infinita grandeza do Criador”.

 

Compraz-me, vez por outra, considerar os vários reinos da criação e as diferenças imensuráveis que os separam.

O Pão de Açúcar e a grama

Imaginemos, por exemplo, que o Pão de Açúcar, rochedo extraordinário, de repente pudesse ter cinco minutos de pensamento e, nesse fulgor de raciocínio, visse um punhado de grama crescer nas suas encostas. Ele, o grandioso e eterno paralítico, que nunca se move nem se moverá, provavelmente, até o fim do mundo, é incapaz de crescer, de diminuir, de se deslocar. Não possui vida. Pelo contrário, a grama cresce, se alastra. O Pão de Açúcar contempla aquele desdobrar da grama, estremece de alegria e pensa: “Que honra para mim carregar uma graminha!”

Essa seria a bela e natural atitude a ser tomada por ele. Como seria igualmente natural e belo que a grama, por sua vez, dotada de pensamento, pudesse olhar para o Pão de Açúcar e dizer: “Que rochedo maravilhoso e colossal! Como sou pequena diante dele! Porém, eu vivo e ele não. Vivam as graminhas!”

Existe, portanto, um abismo entre o reino mineral e o vegetal.

A rosa e a taturana

Subamos outro degrau e imaginemos que a mais esplêndida das rosas, exercitando a faculdade de pensar que lhe fora dada, observasse uma taturana subindo pela sua haste, prestes a se esgueirar no meio de suas pétalas. A rosa então diria: “Sou linda, perfumada, uma obra-prima! Quando me vêem, os homens me colhem, as damas me osculam, e todos me oferecem para ornar o que há de mais precioso, até para os altares das igrejas. Sou a rosa. Em contrapartida, se virem essa taturana, deitam-na abaixo e a esmagam, porque a aparência dela não lhes agrada”.

“Contudo — prossegue a rosa — um fato é fato: essa taturana se move e sente. Eu não sinto. Cortam-me, deixam-me secar e fenecer, e não tenho conhecimento disso. A taturana, porém, conhece quando é ameaçada e se encontra em perigo de vida. Como o conhecer é mais valioso do que ser belo! Ó taturana, feia e repulsiva, que honra para mim carregar-te!”

Mais um abismo, pois, entre o reino vegetal e o animal.

Outras distâncias insondáveis

Imaginemos, agora, que um leão pudesse contemplar uma criança que está aprendendo a recitar a Ave-maria, ensinada por sua mãe. Ainda não sabendo articular bem as palavras, a criança apenas tartamudeia a oração. O animal observa aquela criancinha. Ente indefeso, esta seria presa fácil para ele, um aperitivo que a fera estraçalharia quando quisesse. Porém, se pudesse compreender as coisas, o leão chegaria ao seguinte raciocínio: “Essa pequena criatura, que eu deglutiria em poucos minutos, é dotada de razão, de inteligência, de vontade. Ela pensa, ela deseja, ela age. Eu não penso, não quero. Sou um jogo das minhas vísceras que se movem e me impulsionam para frente. Sigo os instintos que me dominam e ordenam o que devo fazer. A criança se governará a si mesma, e eu não me governo. Somente nesse relâmpago de raciocínio me é dado ter conhecimento disso. Ó criança, ó obra-prima!”

O leão, se pudesse, veneraria aquele pequeno ser humano.

Se galgarmos mais um patamar nessas comparações, deveríamos ainda imaginar um sábio pagão, inteligente e experimentado, diante de um menino batizado no qual desabrocham a inocência batismal, a vida da graça, a sua participação no Corpo Místico de Cristo, a sua filiação à Santa Igreja Católica. Se pudesse discernir tudo isso na criança batizada, o idoso pagão, movido por sua retidão natural, exultaria de admiração diante daquele grau mais elevado de vida.

O homem e o Criador…

Não é difícil perceber como essa graduação posta por Deus nos diversos reinos e seres criados se reveste de extrema beleza. E esse esplendor reluz de modo particular quando no outro termo de comparação está o homem. Tomemos, por exemplo, de um lado, o mar. Magnífico, interessantíssimo, apresentando-se a nós como se fosse um interlocutor cujo repertório de temas é inesgotável. Ao mesmo tempo grandioso no alto oceano onde toca o céu, e encantador, capaz de dizer coisas afáveis num cantinho qualquer de praia onde ele circunda um caramujo. Estende-se por zonas calmas, assim como por outras em que suas ondas rugem. O mar é uma imensa prosa. Ele imita uma grande mente humana. Mas… como o homem menos afortunado em matéria de inteligência vale mais do que o mar inteiro!

Assim Deus graduou e ordenou todas as coisas na criação, e dispôs entre elas esses abismos, cada um deles constituindo uma imagem do abismo quão mais insondável que separa a criatura do Criador. Essas diferenças abismais nos fazem intuir a infinita grandeza de Deus, Ele próprio diferente de tudo e em tudo refletido.

Então, nós, homens dotados de inteligência, paramos e dizemos: “Meu Deus, eu pensei em tudo, medi tudo. Como sois Vós? Como será  vossa Mãe Santíssima?”

E logo nos silenciamos, mudos de admiração e enlevo diante de tanta magnitude. Em nosso interior formulamos uma súplica ao Onipotente, pelos rogos misericordiosos de Maria: que Ele, terminada nossa existência terrena, nos leve a contemplá-Lo na bem-aventurança eterna, onde O adoraremos numa intimidade suprema e numa distância infinita. E ambas as coisas nos encantarão pelos séculos sem fim.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 123 (Junho de 2008)