Grandiosa solidão, convívio celestial

Quando, em sua divina onipotência, dispôs o Padre Eterno que a terra se povoasse de cordilheiras e montanhas, ainda não havia no mundo homens para contemplá-las. Naquela ocasião, os  maravilhosos panoramas constituídos por tantas e tantas elevações desenrolaram- se apenas aos olhos de Deus, e assim permaneceram para proporcionar às criaturas humanas uma leve ideia das belezas arquitetadas por Ele antes de nós existirmos. Podemos, pois, conjecturar que, ao modelar todos esses cenários montanhosos, Deus teve como principal intenção a de nos fornecer a  oportunidade de meditar e refletir a respeito de sua grandeza e de sua majestade infinitas.

Uma das paisagens mais propícias para esse gênero de considerações é, a meu ver, a que descortinamos nas regiões circundadas pelos Alpes, ombreadas por aqueles montes e montanhas cobertos  e neve, com toda a poesia e a magnificência que esta traz consigo.

Às vezes, contudo, o que há de mais belo nesses panoramas não são as camadas de alvura eterna, e sim a configuração deste ou daquele pico — como o famoso Mont Blanc —, com cristas que se  sobrepõem e se elevam umas às outras, dando formas extraordinárias às cordilheiras. Alguns se assemelham a crateras de vulcões que entraram em irrupção, jorrando das entranhas mais quentes  da terra um jato imenso de lava que logo se congelou, petrificado para sempre naquela posição.

Outros parecem cercados de uma como que muralha natural, imitando a estrutura de muitas fortalezas medievais. No centro do recinto fortificado se encontraria o castelo, formado por rochas  mais acentuadas; e no meio desse castelo imaginário, à maneira de uma torre prodigiosa, elevasse o píncaro mais proeminente.

Em geral, o céu em que esses montes se recortam é de um azul belíssimo, ora claro e límpido, ora profundo e malhado de nuvens que procuram envolver os castelos de ficção. Tudo isso contribui  para o esplendor e a riqueza do panorama, que ainda adquire maior expressividade ao ser introduzida nele a presença humana.

Com efeito, o homem não pode contemplar os Alpes sem se imaginar a si próprio nesses píncaros, e sem medir a sensação que ele teria se, por exemplo, lhe fossem oferecidos os meios financeiros  e técnicos para construir uma fortificação de verdade naquelas alturas. Quem pudesse habitar esse castelo se sentiria colocado no cume de uma grandeza colossal. Ele se teria pelo castelão dos  castelões, o homem que se encontra numa elevação fantástica e que domina a partir deste ápice, pelo olhar e pelo pensamento, tudo quanto de contemporâneo se desenvolve aos seus pés.

Em compensação, ele experimentaria também um imenso isolamento. Antes de tudo, porque a neve não é o seu habitat natural. O homem não foi feito para viver constantemente na neve, mas em  lugares onde ela cai durante certo período do ano. Embora existam povos (como os esquimós) que conseguem viver em panoramas nevados, fazem-no entretanto em condições de vida bastante  primitivas e com um desenvolvimento cultural dos mais elementares.

Nessa perspectiva, a neve acaba dando a impressão de uma paisagem lunar, em que o homem estaria tão isolado quanto se achasse na lua, separado de seus semelhantes, longe de todos,  incompreensível para todos, a todos dominando lá de suas alturas. E sofrendo daquilo a que se referem as Escrituras, a propósito da criação de Eva: “Não é bom para o homem que ele esteja só”. Na  verdade, o isolamento, sobretudo quando se torna mais imponente e mais esmagador pela grandeza, é algo que pesa sobre os nossos ombros.

E podemos imaginar que não seria diferente para o castelão na sua fortaleza, vivendo ali com apenas dois ou três serviçais, vendo os dias se sucederem às noites e as noites aos dias, com neves e nuvens cercando todas as suas janelas, e seu castelo de tal maneira isolado do próprio monte sobre o qual se ergue que o homem se pergunta se não está voando…

De outro lado, porém, para os que não vivem na neve, para os que têm de suportar a existência no dia-a-dia rotineiro e trivial, mas conservando suficiente elevação de espírito, para estes haverá  sempre uma vontade de sair da banalidade, um desejo de voar com a alma para dentro dos horizontes grandiosos. De maneira tal que, postos diante de panoramas como os dos Alpes, não seria  estranho que pensassem: “Como seria bom estar lá no alto!”

Essa grandiosidade amiga das alturas, essa magnífica solidão que procura companhia, em ambas há um pouco de verdade que nos fazem compreender melhor o Céu. De fato, o Paraíso Celeste é de  ma elevação, de uma altitude — não física mas moral — incomparável. Por outro lado, nele não se está só. O homem se encontra na presença d’Aquele que é sua finalidade, e sente a companhia  absoluta para a qual foi criado. Junto a Deus, o justo está como que embriagado da alegria de ter contato com seu Criador, de adorá-Lo face a face, de conversar com Ele, infinitamente mais alto do  que todas as montanhas dos Alpes, mas, ao mesmo tempo, infinitamente mais condescendente, afável e amoroso do que as idéias que essas montanhas sugerem.

Além disso, o homem se vê inserido em toda a Corte Celeste, na qual ele passa a ser príncipe, ao lado dos Anjos e Santos que povoam a bem-aventurança eterna. E cada um sente ali a felicidade  completa, que reúne as alegrias antitéticas, aparentemente contraditórias, de fazer parte de uma multidão e de estar isolado num píncaro próprio. Ele se acha no mais alto dos cumes, cercado de  um convívio idealmente afetuoso, respeitoso, amável, com a mais perfeita das multidões, que é o imenso povo formado por aqueles que se salvam.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 38 (Maio de 2001)