Duas “escolas” de conversa
Dr. Plinio prossegue em suas reflexões sobre a interessante arte da conversa. Desta feita, salienta ele como as novas gerações se esqueceram da prática da “causerie” como meio de apostolado, tendo em vista as diferentes psicologias dos eventuais interlocutores. Trata-se, pois, de resgatá-la, por amor ao próximo.
Como dissemos em exposição anterior, a conversa se verifica tanto mais autêntica quanto mais nela transparece as características individuais dos interlocutores, o intercâmbio de personalidades, antes de ser uma simples troca de informações e comentários. Trata-se de uma alma vibrando em contato com outra.
Por exemplo, no momento em que converso com meus ouvintes, percebo neles o interesse em me conhecer mais profundamente, e o modo como meu espírito se mostra ao longo dessa exposição. Por sua vez, notam de minha parte análogo interesse, o desejo de conhecê-los, de nos aproximarmos pela comunicação de olhares, de expressões fisionômicas, etc.
Uma forma de oração
Quer dizer, ou cada um presta atenção no mesmo tema, por amor ao assunto tratado, e na alma do outro, pelo amor que deve nutrir por todas as almas, ou não se faz uma verdadeira “causerie”. Observando essa atitude cumpriremos na conversa a síntese de todos os Mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por amor a Deus.
Com efeito, interessar-se por um tema enquanto tal, é amar a Deus, autor de tudo quanto existe e, portanto, dos elementos que proporcionam uma interlocução. De outro lado, demonstramos nosso amor ao próximo ao nos preocuparmos com sua alma, ao considerarmos suas qualidades e aquilo por onde ela é um reflexo da perfeição divina. Quando procuro discernir a alma do meu ouvinte, no fundo procuro ver algo de Deus. Assim, poder-se-ia dizer que, fitando-nos uns aos outros, estamos fazendo oração.
Se houver esse estado de espírito, insisto, teremos uma genuína conversa. Do contrário, não.
Decadência da arte da conversa
A esse propósito é oportuno ponderar que, embora a Idade Média tenha sido uma época marcada por luminosos exemplos de caridade fraterna e de intenso amor a Deus, não se percebe nela a manifestação da arte da conversa. Os medievais não sabiam conversar bem, mas acumularam os tesouros que dariam origem a essa excelência do convívio humano, surgida depois deles, como certos botões de rosa que desabrocham após terem sido cortados da roseira e postos num jarro. O vaso foi a Europa, a rosa, o amor de Deus herdado da virtude medieval, em estado de tradição.
Porém, com o avanço da Revolução, esse amor ao Criador foi se tornando cada vez menos presente na sociedade, e o egoísmo humano, mais atuante. Por esse motivo, a conversa foi decaindo aos poucos, até se encontrar no estado moribundo em que a notamos hoje, reduzida a raros ambientes nos quais ainda é cultivada, à espera de que a exacerbação egoísta a suprima de vez.
A “escola dos assuntos práticos”
Lembro-me de em certa ocasião, estando em Roma, ter me encontrado com outro brasileiro e, por razões de cortesia, convidei-o para um almoço. O restaurante escolhido situava-se num local muito aprazível e pitoresco, chamado “gallopatoio”, pois era utilizado para fazer galopar os cavalos.
Estando à mesa, tomei a iniciativa de levantar um tema, outro, outro, mas os assuntos morriam. Pensei: “Que almoço fracassado! Não consigo interessar meu conviva.”
Em determinado momento, ele me pergunta:
— Dr. Plinio, o senhor não gostaria de entrar logo na matéria a ser tratada nessa refeição?
Caí de algumas nuvens, mas, habituado a semelhantes situações, “desci de pára-quedas”, já percebendo que dali sairia a “mãe da natureza”, ou seja, algo sesquipedal. E lhe indaguei:
— Qual é o tema do almoço?
— Não, eu suponho que o senhor me trouxe aqui para tratarmos de um assunto específico.
Sem deixar de ser amável, respondi:
— Não há nada de concreto a tratar. Convidei-o para esse almoço a fim de saborearmos juntos uma boa comida…
Pela surpresa estampada na fisionomia de meu interlocutor não era difícil compreender o que ia no fundo de seu espírito. Ele, como a maioria dos homens modernos, fora formado na ideia de que, quando se convida alguém para almoçar ou jantar, tem-se em vista tratar de um negócio, de um interesse prático. Dessa sorte, de início ao fim da refeição não se fala de outra coisa, e o êxito do encontro será completo se ao término dele tal contrato estiver assinado, tal compra acertada, tal campanha eleitoral programada, etc., etc.
Ora, as gerações antigas, como a minha, educaram-se em outra escola. No almoço ou jantar não se cuida de nada que tenha ares de negócio ou política. O espírito flana como uma borboleta pelo ar. Quando se quer falar sobre transações comerciais, vai-se a uma sala própria chamada escritório, cujo mobiliário é adequado para isso. Se o assunto é cultura, há o living ou a sala de visita. Por essa razão as residências têm vários cômodos.
Infelizmente, hoje já não se procura essas distinções, e grande parte dos jovens cresce sob a influência da primeira “escola” e da televisão: todos ficam olhando para a tela do aparelho sem fazer comentários…
Resgatemos a arte da conversa
Essa decadência da arte da conversa não faz senão nos incentivar a cultivá-la, a resgatá-la, revivê-la, torná-la o quanto possível atual. Nesse sentido, poderíamos ainda apontar outros de seus importantes aspectos.
Um deles é o fato de que o espírito católico nos leva a considerar com desvelo o tema de uma conversa, e a conhecer não apenas a alma de nosso interlocutor, mas também as características da sua região, do seu país, da cidade onde nasceu e da família de onde ele procede.
Por exemplo, ao tratarmos com um cearense, devemos perceber e admirar suas peculiaridades, os lados pelos quais é diferente dos habitantes de outras regiões e mesmo dos outros povos nordestinos. Enquanto o pernambucano é raras vezes otimista — meu pai o era imensamente… — o cearense alimenta um otimismo curioso. Este não espera um fácil desenrolar das coisas, e até se mostra desapontado com tal ideia. Porém, sempre acha que no fim das contas tudo dará certo. E assim enfrenta o quotidiano e conduz sua vida com aquela alegria proverbial.
Ora, na arte da conversa autêntica, praticada segundo o espírito cristão do amor ao próximo, devemos aplicar esses conhecimentos, seguir essas balizas, e assim torná-la interessante e agradável.
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)