Divinamente admirável, supremamente admirador!
Nosso Senhor Jesus Cristo deixou-nos, em sua vida terrena, incontáveis exemplos acerca da admiração: repleto de enlevo por seu Divino Pai, Ele também soube admirar, com respeito e ternura, tudo quanto Lhe era inferior.
Outro dia, subitamente durante uma reunião, eu tive uma impressão sobre a admiração relacionada com a Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para o meu foro interno, pelo menos, foi uma impressão magnífica que tentarei, de modo improvisado, expor nesta conferência.
Ao analisar certos fatos narrados no Evangelho — os quais têm por característica produzir encanto em todo o mundo —, eu me empolguei pela pessoa de Jesus.
Superior a qualquer cogitação, Nosso Senhor surpreende-nos constantemente por ter feito com simplicidade, dignidade e sobranceria, coisas inimagináveis. Tais são a força e a bondade expressas em suas ações, que o único comentário pertinente cabe em quatro letras: “D”, “E”, “U”, “S”.
Entretanto, eu tinha a sensação de faltar algo; havia alguma coisa que eu não estava conseguindo exprimir bem, e era necessário pô-la à luz para se compreender melhor o Admirável por excelência, o qual era também o Admirador por excelência.
Então, como detectar esse elemento novo que me faltava compreender?
Os reflexos de Nosso Senhor em sua Mãe Santíssima
Tantas vezes eu tenho falado de castelos refletidos na água; o reflexo é mais belo do que o próprio castelo.
Porém, imaginemos Nosso Senhor refletido nas águas do lago de Tiberíades: Ele era infinitamente mais belo do que o reflexo! Creio que isso aconteceria se Jesus se refletisse em quaisquer águas do mundo, com exceção apenas de um mar, superior a todos os mares da Terra: Maria.
Porque quando Ele olhava para sua Mãe Santíssima, coisas que só Ela compreendia n’Ele se refletiam no rosto d’Ela. E quem olhasse para o celeste rosto de Nossa Senhora teria uma espécie de porta de acesso de ouro para compreender os mistérios da Sagrada Face de Nosso Senhor.
Reportemo-nos à cena da transmutação da água em vinho nas bodas de Caná.
Todos estão encantados com Aquele convidado único que passou a ser a festa de toda a festa quando o arquitriclínio procura o noivo e diz: “Acabou o vinho.”
Empolgados com Nosso Senhor, todos tinham se esquecido de seus próprios egoísmos. Entretanto, alguém não se olvidara daquelas pessoas: com olhar de Mãe, Nossa Senhora velava por todos; ao mesmo tempo em que Ela admirava a Jesus, tinha amor materno por cada um, a ponto de perceber que o vinho acabara.
Jesus olha para sua Mãe e vê nela aquela expressão que procura estimular n’Ele a compaixão. Podemos conceber a compaixão de Nosso Senhor olhando compassivo para Nossa Senhora, e Ela refletindo a Ele em seu sorriso?
Quem seria capaz de compreender, sem olhar para o sorriso de Maria, o que se tinha passado na Alma santíssima de Jesus naquele momento? Absolutamente ninguém. Neste reflexo, de certo modo com lente de aumento e luz incomparável, aparecia mais claramente o Redentor. Ele escolheu as melhores manifestações de Si mesmo para refleti-las na face sagrada de sua Mãe.
Para levar tudo ao último extremo, podemos imaginar a dor de Nossa Senhora vendo a dor de Jesus? E o que São João Evangelista, as santas mulheres, Longinus e outros poucos viram na face d’Ela, no momento em que Ele bradou: “Consummatum est”? A Alma saiu do Corpo, dilacerou-se a humanidade santíssima de Jesus, e Maria Santíssima pôde medir inteiramente o mistério terrível da morte e a coisa tremenda: um Deus que morre!
Se até a natureza material foi sensível a isso, o que pensou Maria! Como era esse reflexo da dor d’Ele n’Ela? O pináculo da tristeza do Calvário podia ser mais bem compreendido olhando-se para Maria, a fim de entender como Jesus sofria.
O esplendor de Jesus refletido no lago de Genesaré
Volto a considerar Nosso Senhor caminhando sobre as águas do lago de Genesaré. Águas que estremeciam inteiras ao serem tocadas pelos divinos pés d’Ele, como se elas não se contivessem de delícia por receberem o peso tão leve daqueles pés sagrados.
Ele ia andando, passo a passo, e dir-se-ia que o lago se tornava vivo; os peixes faziam figuras geométricas, guirlandas, algo de cerimonial, de tal maneira as cerimônias agradam ao Autor de toda beleza.
O ar, completamente diferente e cheio de suavidade, mais do que nunca irmão da água; e nos pontos onde um e outro se tocavam davam a impressão de que um contava para o outro as delícias que possuíam, formando uma espécie de lâmina fina de confidências. O que a água contava se evolava como luz pelo ar, e o que o ar narrava enchia de aroma a água.
Assim Nosso Senhor caminhava sobre as águas.
Ele devia estar inteiramente cônscio de seu próprio esplendor, de sua própria grandeza. De sua pessoa talvez saíssem miríades de virtudes para encherem o ar e a água, a fim de ser visto pelos Apóstolos que lá estavam para terem um tremor de emoção, uma plenitude incalculável de admiração, de veneração, de ternura; algo que a mente humana não sabe exprimir, mas que o Espírito Santo soube descrever.
O Admirado por excelência também admirava
Lembremo-nos d’Ele sentado sobre o monte dizendo: “Bem-aventurados os puros, porque verão a Deus!” Sentimos o timbre de voz e todos os apelos para a pureza existentes em nós fazerem como as águas do lago de Genesaré. Tem-se vontade de ser puro porque Ele disse: “Bem-aventurados os puros, porque verão a Deus!”
E assim, todas as palavras do sermão das bem-aventuranças causam a impressão de que até os passarinhos paravam no ar para ouvir melhor uma música cujo sentido não entendiam!
Vendo outro dia um lírio, lembrei-me da frase “Olhai os lírios do campo…” e percebi, de repente, que Nosso Senhor, quando falava do lírio, o admirava.
Observá-Lo admirar e cantar a glória do menor do que Ele, quando Jesus diz: “Olhai os lírios do campo, eles não tecem nem fiam, entretanto nem Salomão em toda sua glória se vestiu como eles!” A infinitude d’Ele se debruça sobre uma flor. Como seria belo vê-Lo ao pronunciar essas palavras, pegar uma pétala de um lírio e passar seus dedos sobre ela!
Uma cena extraordinária, repleta de lições para nós, diante da qual não temos palavras para qualificar! Vamos procurar os termos, mas o vocabulário estala e ficamos com vontade de apenas dizer: “Onde está esse lírio para eu ficar junto dele até morrer, repetindo ‘olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam, entretanto nem Salomão…’”
Mas, se quando o Redentor disse “olhai os lírios do campo…” se aproximasse o Lírio do Céu, que era Nossa Senhora, como Ele daria esse lírio para Ela? E como Ela o receberia? O olhar d’Ele daria a entender: “Como Vós sois mais magnífica do que esse lírio!”
E Maria Santíssima, naquele olhar de Jesus, contemplaria um “pulchrum” ainda desconhecido, e exclamaria: “Este lírio eu guardo porque é um reflexo do Lírio dos lírios; é o meu Filho virginal, meu Filho unigênito, o Primogênito de Deus em todo o gênero humano!”
Da admiração de Jesus, nascem os guerreiros da Fé
Percebemos, assim, como da análise admirativa de algo pequeno, coisas imensas podem nascer. E como completa o ciclo de Deus Filho admirando o Padre Eterno, Nossa Senhora, os outros homens, enquanto iguais a Ele na natureza humana, mas depois se debruçando sobre os pequenos e olhando as crianças; então se compreende a frase: “Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o reino dos Céus!”
Jesus diria isso não só com o sentido de proteção, mas também de respeito, de dedicação, de admiração. “Que alma limpa! Que alma pura! Eu, Deus, autor e foco de toda a pureza Me contemplo vendo este menino. E vejo nele um reflexo criado de Mim mesmo. Eu o criei para Me olhar e Me amar.”
O mártir que eu, por feitio pessoal, mais admiro é o grande Santo Inácio de Antioquia. No momento de ser triturado pelos leões, ele exclamou, diante do imperador e da sociedade romana pagã: “Que venham a mim os leões e me triturem a carne como a pedra do moinho tritura o trigo para fazer farinha, na qual depois se possa operar a Transubstanciação e seja o Corpo e Sangue de Cristo. Assim também, eu quero ser triturado, quero ser um mártir de Cristo!”
Alguns autores dizem que aquele menino contemplado por Nosso Senhor, cuja alma puríssima chegou a este píncaro de heroísmo na inocência, foi depois Santo Inácio de Antioquia. A mão divina tinha pousado sobre ele; e, quando disse “deixai vir a Mim os pequeninos”, Jesus o aproximou de Si.
Se o lago de Genesaré estremecia, se o ar se enchia de perfumes, de brisas e de luzes, o que dizer da alma de um menino fiel que Nosso Senhor aproxima de Si?
E Ele, de outro lado, sabia que esse menino seria o grande Inácio de Antioquia. De dentro dessa cena encantadora nós vemos emergir, ensopadas de sangue, duas figuras trágicas: Jesus, o Cordeiro de Deus coberto de sangue, de escarros, alvo de bofetadas, de injúrias durante a Paixão; e o cadáver de Santo Inácio de Antioquia estraçalhado pelas feras! Mas desse sangue, depois, sai um incenso mil vezes mais grato a Deus do que o exalado do sacrifício de Abel. Pelo seu Sangue, Jesus reconciliou Deus com os homens no alto da Cruz, fazendo nascer mártires e guerreiros até o fim da história dos homens.
As Cruzadas não foram senão o mais belo reflexo dos martírios, os quais nasceram — em certo sentido da palavra — de um menino a quem Nosso Senhor agradou numa cena encantadora, dizendo: “Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus”. E com quanta admiração Ele, nessa hora, olhava para Inácio, tão pequeno, mas no qual o Divino Salvador via o atleta da fidelidade até o fim!
Exercício de maravilhamento
A alma admirativa não se contenta em admirar só o que é superior, mas sabe voltar-se também para o inferior, tomá-lo com respeito e ternura, sem igualitarismo, ver uma figura de Deus nas menores coisas e dar glória a Ele por manifestar-Se nelas.
Era isto propriamente que faltava para eu compreender a admiração. Então, agora eu contemplo Nosso Senhor andando sobre as águas e admirando a água, o ar e sentindo-Se refletido neles, dizendo: “Imita a minha magnificência; como é bela esta água, como é belo este ar que Eu criei!”
Compreendemos assim como o ciclo da admiração se perfaz, e o que é a alma verdadeiramente admirativa.
Imaginemos uma rainha prodigiosamente rica. Ela vê, de repente, rolando sobre uma mesa de seu régio palácio, uma moeda, que é a menor das moedas em circulação no seu reino. Digamos que seja uma moeda de cobre, quer dizer, de um metal não nobre; ou então de níquel. A rainha pega a moedinha, vê nela a efígie de seu filho, o rei, e diz: “Meu filho!”
Admiração e Redenção
A própria Redenção, vista sob esta perspectiva, ganha em compreensão, pois como poderia haver imolação se não houvesse admiração? Uma pessoa pode ter maior admiração por algo do que resolvendo morrer para salvar esse algo?
Nosso Senhor conheceu individualmente a cada um de nós e, tendo em consideração o que podíamos ter sido, ou poderíamos ser, ou poderemos ser pelos rogos da Mãe d’Ele, nos admirou. E olhando em torno de nós, compreendemos que Deus nos admira, não pelos defeitos que carregamos, mas pelas nossas potencialidades. Entendemos, então, o que há de extraordinário no interior da alma de cada homem e o que é verdadeiramente o apostolado. A conquista das almas para Deus é a grande alegria d’Ele, e eu afirmaria que o Criador tem gratidão quando alguém traz uma pessoa e diz: “Meu Senhor, pelos rogos de vossa Mãe, esta pessoa agora é vossa”. Podemos ter ideia da sublimidade disso?
Através do maravilhamento podemos imaginar as belezas do Paraíso
Entendemos também que o Criador nos pôs numa terra de exílio onde não vemos as belezas que contemplaríamos no Paraíso, mas Ele nos deu imaginação para concebermos como as coisas seriam se fossem paradisíacas. E proporcionou-nos até o meio de conceber como elas seriam no Céu empíreo, porque todas essas coisas de algum modo se refletem na matéria do Céu empíreo, que, por sua vez, não é senão reflexo d’Ele.
Deus quer que imaginemos o maravilhoso, o admirável, a partir das coisas que vemos, mais ou menos como um cego que nunca viu um rosto, mas passa a mão pelo rosto de alguém e recompõe os traços da fisionomia. Assim, nós não vemos o Paraíso, mas dedilhamos o Paraíso, e com o espírito construímos uma imagem dessa realidade. Deus pôs em nós a tendência para nos maravilharmos com tudo aquilo com que tomamos contato. Tudo quanto vemos é, portanto, motivo para exercício de maravilhamento, que em francês se diz “émerveillement”.
Através do exercício de “émerveillement”, o homem é levado a não só imaginar como uma coisa seria no Paraíso, mas imaginar também como ela seria num mundo irreal que Deus não criou, mas gostaria que existisse.
Através da heráldica, de algum modo o homem imita a Deus
Daí vem, por exemplo, a heráldica. As figuras da heráldica não existem daquele modo na natureza, mas formam uma espécie de universo criado pela cultura medieval; pode-se dizer que o homem, pela heráldica, de algum modo até imita a Deus Criador.
É comum encontrarmos certas almofadas estampadas com uma torre dourada sobre um fundo vermelho. Tal vermelho não existe na natureza, como fundo de torre. Nesta nossa pobre Terra, toda torre leva poeira, se encarde e por mais altaneira que ela seja — até a Torre de Belém — tem uma moldura que não vale a torre. O homem imagina um mundo onde há um rubro por detrás de uma torre dourada, e faz na heráldica essa torre.
Deus admira isso. Ao dizer “olhai os lírios do campo; eles não tecem nem fiam…”, Jesus manifestava quanto amará aquilo que o homem compôs num “élan” de alma e no fundo se volta para Ele, porque, de maravilha em maravilha, no alto está Deus! Compreendemos, então, facilmente como esse exemplo de Nosso Senhor admirando as coisas, até as pequenas, e amando-as com uma ternura especial, é uma lição para nós termos a alma propensa à admiração. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/9/1980)
Revista Dr Plinio 170 (Maio de 2012)