Uma conversa de Jesus…

Imaginando a vida quotidiana de Jesus, Dr. Plinio realiza como a Alma de Nosso Senhor se elevava às mais altas cogitações, sem entretanto abandonar a proporção normal de um homem.

 

Suponhamos que o Redentor estivesse descansando em casa de Lázaro; Ele comia e mantinha uma conversa normal, quer dizer, propriamente conversa à “bâton rompu”.

Nosso Senhor deveria dar um discreto valor à comida. Então, nesta perspectiva, como seria o trato com Ele, que impressão causaria?

Parece-me que todas as suas expressões seriam sumamente coerentes umas com as outras, em que o olhar, a voz, os gestos, o porte, a atitude da cabeça e o modo de se dirigir às pessoas, ou de ouvir o que elas Lhe falavam, tudo isto deveria apresentar um “unum” perfeito, dando a ideia de uma harmonia completa. De maneira que Jesus devia causar aquela impressão vitorina de emoção estética total, porém ainda mais alta porque não era só a estética física, mas através desta, a estética psicológica, moral. Quer dizer, com uma proporção, uma beleza perfeita, e a Alma que se via por detrás era incomparável, causando a impressão de se tocar no divino, no inefável, embora não fosse a visão beatífica. Era propriamente a ética estética total.

Figuremos Nosso Senhor à mesa, comendo um cordeiro que Lhe tivessem preparado. Ele faz um comentário qualquer: “Este cordeiro foi alimentado com tal coisa assim, na perspectiva de nosso encontro”. E alguém diz: “Aliás, foi difícil laçá-lo, o cordeiro saltava muito”, e conta que o cordeiro pulou do colo de um escravo para fugir. E o Redentor, na sua natureza humana, ouve entretido a narração desse fato.

E no entretenimento veríamos aquela espécie de bondade, do enormemente maior que sente coesão e continuidade com o tema pequeno, e não julga que este seja indigno d’Ele.

Pelo contrário, Nosso Senhor, tomando conhecimento do fato, compreenderia. Durante a conversa se perceberia que ora sua humanidade santíssima transparecia mais, quer dizer, subia em considerações comunicadas pela natureza divina, ora transparecia menos, mantendo, entretanto, uma proporção com a conversa. De maneira que no ambiente havia um fundo discreto, que não convidava a fazer Teologia, mas a sentir o tema concreto do cordeirinho, túmido de outras coisas nas quais o Redentor não entrava, mas apenas — para usar uma expressão que não indica bem o que eu quero dizer — aromatizava. Ele punha molho naquilo, mas não deslocava o assunto, e a conversa continuava caseira.

Noção divina das correlações

Notar-se-ia a transição suave, harmônica da Alma do Divino Mestre para o mais elevado, com lampejo do mais alto, e depois voltar ao comum, a propósito das várias coisas tratadas na conversação. Uma flexibilidade de alma e uma noção divina das correlações: o modo pelo qual um tema encaixa, imbrica com outro; o valor simbólico das coisas; tudo posto tão bem, e correlacionado com tanta suavidade, harmonia, facilidade — todas as palavras são impróprias para falar d’Ele, por causa da excelsitude —, com tanto “dégagé”, que nossa alma ficaria simplesmente encantada de sentir os espaços interplanetários que separam um assunto do outro, transpostos por Nosso Senhor com tanta facilidade e conduzidos de um lado para outro com uma naturalidade, sem deixar as pessoas propriamente — note-se bem — extasiadas e fora do teor da conversa privada.

O êxtase viria pouco depois que o Redentor tivesse ido embora, quando as pessoas se sentissem sem Ele e percebessem o diferente de tudo. Teriam vontade de dizer: “Por que fiquei aqui e não fui atrás de Jesus, uma vez que viver é estar ao lado d’Ele?” E se alguém levanta um assunto prático, nem se interessam.

Todo mundo está discretamente deliciado, mas é uma autêntica conversa doméstica, na superfície.

As várias teclas através das quais Jesus tratava os assuntos

O melhor dessa conversa seria os momentos nos quais se percebia que a Alma de Nosso Senhor tocava nas mais altas cogitações. Era um olhar, um timbre de voz, talvez um comentário ligeiro, deixando entrever outras ideias, mas sem nada da indireta de salão, que é trabalhosa, porque nada disto deve ser imaginado trabalhoso. Tudo normal, magnífico e facílimo, que é o próprio d’Ele, evidentemente.

E as pessoas ficavam verdadeiramente maravilhadas pelo seguinte aspecto, entre mil outros: sentir como Jesus tomava o tamanho das várias teclas por onde fosse tratando os assuntos; quando falava de um tema comum, Ele tinha uma proporção do auge da beleza daquilo, deixando apenas entrever muito vagamente outros auges, que na Alma de Nosso Senhor residiam.

Quando Ele falava apenas de raspão do maior dos assuntos, sentiriam que tratava aquilo de igual a igual. De maneira que aquele Homem, há pouco tempo tão igual aos outros, de repente aparecia como num píncaro de uma montanha, mas por instantes, e logo depois estava de novo misturado com as pessoas. Em seguida, tratando de alguma coisinha, o Divino Mestre ficava de tal maneira comprazido, condescendido, que se diria que Ele descia até a coisa e esta se elevava até Ele. Por exemplo, se enquanto Nosso Senhor falava entrasse um passarinho na sala — aquelas salas eram muito abertas — e pousasse perto d’Ele, sem milagres, cena comum, o Redentor acharia graça em ver o passarinho comer uma migalha de pão.

Ele sorriria com isto, de tal modo que tudo aquilo que simboliza o passarinho comer a migalha de pão se perceberia que Ele relaciona com o mais alto, mas achava interessante ver o mais elevado enquanto simbolizado no menor. Não é de nenhum modo, portanto, efetuar uma abstração, e passar a fazer Filosofia ou Teologia, mas comprazer-se em ver o mais alto simbolizado, alojado, se quiserem, dentro do menor e como que um com o menor.

Então, Jesus diria uma palavra encantadora qualquer, mas também não de arrebentar.

Insinuando que era o Cordeiro de Deus

De repente, a respeito do cordeiro, tema da conversa, Nosso Senhor faz uma insinuação de que Ele era o Cordeiro de Deus, um dia seria morto, e que todos se preparassem. Mas, digamos, durante a conversa, talvez falasse disso uma só vez.

Os Evangelhos não fazem referência a uma conversa assim. Acho que cinco quintilhões de livros não dariam para registrar uma conversa com Ele, porque tudo era memorável, com o ar mais natural do mundo. Tenho a impressão de que isto é muito mais reconstituível pela piedade do que escrevível e legível.

Então, quando Jesus fizesse tal afirmação, haveria um frêmito, mas não à maneira de uma cena renascentista: uma pessoa se levanta, outra faz não sei o quê. Não. Todo mundo continua a conversar. Penetrou-se até ao fundo, ao extremo de Nosso Senhor; depois aquilo passa e fica uma tinta depositada nas almas.

Alegria, seriedade, tristeza

Jesus dava assim uma noção conjunta de sua divindade — a conaturalidade d’Ele com o divino — e a relação de todas as coisas com Ele, como se tudo existisse apenas para ser relacionado com Nosso Senhor. Aqui está o que eu quereria exprimir, mas não sei se conseguirei fazê-lo.

Tal era seu modo de ser que se notaria uma hierarquia de valores harmônica e sumamente bem encaixada, procedente do mais alto, com uma gravidade extraordinária e uma luminosidade impossível de ser qualificada; e descendo depois degrau por degrau, de maneira que em cada degrau por onde passasse, a Alma d’Ele deitasse outro reflexo de si mesma, mas não se sentisse esgotada; manifestando-se nos mais altos e deitando um reflexo novo e adequado em cada degrau menor até o último, formando propriamente no contraste entre o maior e o menor e todos os pontos intermediários, certa forma de imbricamento e de harmonia que fosse no mais alto cheia de gravidade e, ao mesmo tempo, de uma felicidade transbordante. Jesus não devia irradiar só tristeza; de vez em quando Ele transluzia um fulgor de felicidade.

Se, por exemplo, na sala onde Nosso Senhor estivesse comendo entrasse uma brisa refrigerante, Ele faria um comentário, com um gáudio apenas insinuado; aquele zéfiro era apenas um símbolo de uma alegria fulgurante: a visão beatífica. Mas tudo nas proporções de uma conversa comum; não são de nenhum modo os grandes momentos do Evangelho, mas os momentos normais da vida d’Ele.

Então haveria esse entrelaçamento de alto a baixo. No alto, a alegria esplendorosa e seriedade enorme, acompanhada de uma tristeza noturna, que era uma espécie de prenúncio do Calvário.

Nos graus intermediários, a conaturalidade com o homem: a seriedade, as alegrias e as tristezas proporcionais a nós. E nos graus menores, a alegria de todas as coisas pequenas e graciosas com aquela forma de dor e de sofrimento própria da inocência da criança.

E notar isto passando de um lado para outro daria uma espécie de noção de hierarquia, como nenhuma ordem social, nem política, nem estética, ou qualquer outra pode dar. Tal noção seria transmitida pela voz, pelo olhar, pelo modo de ser de Nosso Senhor, com uma espécie de plenitude do que o homem deve sentir a cada momento.

Após a saída de Nosso Senhor, recordar as diversas cenas

Em qualquer dos estágios se notaria a tristeza, a seriedade, a proporcionalidade e também a alegria, que a tudo acompanhava. E quando Jesus saísse, uma pessoa que tivesse critério se destacaria cuidadosamente da roda e, andando sozinha pelo jardim, se sentaria no beiral de um poço; não faria nenhuma reflexão, mas deixaria aquelas cenas voltarem ao seu espírito e, à tardinha, depois de esgotados os últimos reflexos, ela começaria a pensar. Ou seja, muito depois de degustar é que viria a reflexão.

E no final da reflexão, esta ideia: “Eu vou deixar tudo e segui-Lo. Não quero mais saber daquele plano de passar uma quinzena em Jerusalém na minha bonita casa. É verdade que estou precisando comprar uma túnica nova, mas deixarei isto para depois. Onde é que Ele está?” E possivelmente o indivíduo não esperaria a aurora para ir ao encalço de Nosso Senhor.

Continuidade entre os pequenos e os grandes momentos da vida de Jesus

Embora não escrito, algo disso ficou transmitido e permanecerá até o fim do mundo. Sempre que um católico verdadeiro, um bom professor de catecismo, um bom sacerdote, bons pais pronunciam a palavra “Jesus” ou “Jesus Cristo”, todos esses imponderáveis, por uma tradição meio avivada por carismas, continuam e caminham nesta linha.

Falando a respeito de Jesus, o protestantismo toca com o piano quebrado, faltam sempre algumas notas. O calvinismo faz hipertrofia da seriedade e o luteranismo da bonomia d’Ele, não um simples exagero, mas uma hipertrofia leprosa.

A “heresia branca”(1) julga que essas pequenas coisas da vida de Nosso Senhor são impróprias de serem contadas, porque toldam a atmosfera dos grandes momentos. Pelo contrário, tudo isto está numa espécie de continuidade com os grandes momentos.

 Se de repente Nossa Senhora entrasse na sala…

E a cena que eu não ousaria imaginar: Nossa Senhora entrando de repente na sala. Quando Ela se dirigia ao local, Jesus em sua humanidade acutíssima, capacíssima, sem revelação dos Anjos nem manifestação do sobrenatural, sentiria de longe que Maria Santíssima para lá caminhava.

Nosso Senhor vai Se iluminando para a chegada d’Ela, tomando um ar de quem entra em contato com a companhia das companhias; é o mundo inteiro para Ele. Em certo momento, Ele se levanta e vai de encontro a Ela.

Também Nossa Senhora já O pressentiu e, quando Ela se aproxima, os dois Se olham e Se saúdam. Mas acho impossível descrever, eu ao menos não consigo. Todos os encontros de Jesus com sua Mãe não são descritíveis. Ora, só em função da descrição desses encontros, digamos comuns, é que se compreende o relacionamento d’Ele com Ela durante a Paixão, quando se encontraram, e até a morte de Nosso Senhor.

Tenho a impressão de que as sete palavras d’Ele na Cruz, exceto as últimas, foram de um sofredor nesta clave. Mesmo quando Jesus disse: “Mãe, eis aí teu filho; filho eis tua Mãe”, o fez com a tal naturalidade que acabo de referir. Apenas o último grande brado d’Ele e depois o ato pontifical — “Meu Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” — devem ter sido ditos com uma solenidade, uma grandeza dentro do gemido. Aqui seria preciso mais se tocar música ou pintar do que falar.

Também a atitude de Nossa Senhora, creio que se deduz adequadamente a partir da imaginada conversa comum.

Nesta Terra, não devemos querer viver apenas de apogeus

Repito: o convívio quotidiano com Nosso Senhor era proporcionado à capacidade receptiva da natureza humana, como será no Céu. Digo mais. Acho que há algo de enfermiço no fato de uma pessoa só se sentir bem nos apogeus. Na realidade, devemos ter fome e sede dos apogeus, mas não de viver em apogeus, porque não é de acordo com a nossa natureza; e estas situações intermediárias precisam suceder-se aos apogeus e precedê-los, numa sucessão que só Deus mede adequadamente. A Providência gradua através dos fatos.

Suponho que no Céu, pela ação da graça, a alma está elevada a tal estado que é conatural com ela o pináculo permanente. Isso se fará de um modo que não podemos entender, porque o Paraíso celeste vai ser infinitamente repousante.

Voltemos ao tema da vida quotidiana de Nosso Senhor. Se uma pessoa que tivesse assistido à refeição de Betânia desta maneira e depois pensou em Jesus, vendo alguém que lançasse contra o Divino Salvador uma ironia ou chacota, sua reação normal seria a bofetada. Isso só se compreende devido ao efeito que o Redentor causou a uma pessoa que O viu. E a reação dela foi à maneira da desintegração do átomo.

As perfeições de Nosso Senhor na mais eleita das criaturas

Toda criatura, individualmente, é incapaz de refletir adequadamente todas as perfeições de Deus. Daí a necessidade de haver várias criaturas, como sabemos.

E a recíproca disto é que Deus não pode, nesta Terra e nesta ordem, fazer aparecer todas as suas perfeições aos homens num grau que vá além do que a natureza humana comporte, porque, por assim dizer, lota demais as pupilas dos olhos.

Por causa disto, há certas perfeições em Nosso Senhor que, sem dúvida, se notam n’Ele, mas com a seguinte circunstância: se o Redentor fizesse perceber mais ainda, o olhar humano como que estalaria. Então, Ele faz notar estas perfeições na mais eleita de suas criaturas. E esta criatura é como que um desmembramento — como que, entenda-se bem, porque é uma criatura, não o Criador —, um suplemento de Nosso Senhor, fazendo notar algo que no texto principal não caberia pela diminuição de olho do indivíduo que lê.

Então, tudo quanto se diz de maravilhoso sobre a bondade de Nossa Senhora, seu amor materno, seu ódio ao mal — entretanto não é a principal missão d’Ela, ao longo da História, exprimir este ódio, mas a bondade materna, a afetividade — e cem outras coisas, tudo isto Maria Santíssima, como que, exprime em separado de Nosso Senhor, num grau menor do que Ele, forçosamente, mas insondável para nosso olhar, para termos uma ideia ainda mais global do que é Jesus. Tudo quanto estou dizendo aqui fica naturalmente sujeito ao julgamento da Teologia.

Parece-me que, de algum modo, olhando-se para Ela, veem-se excelências que não se percebem tão claramente n’Ele.

Entretanto, como pintá-las? Em que grau? De que modo? Sob que formas? No momento eu quase não teria o que dizer, porque são de algum modo coisas quintessenciadas de Nosso Senhor, as quais, não permitindo que apareçam tão claramente, Ele as exprime por meio de um ser inferior, o qual, por mais alto que seja, é uma criatura.

Correlação entre a Cristologia e a Mariologia

Seria preciso tomar uma clave em extremo delicada para considerar a relação exatamente em sua nota, pois na verdade nenhuma meditação cristológica poderia ser feita em completo sem uma espécie de superposição de Nossa Senhora; sobretudo nenhuma meditação mariológica seria adequadamente feita sem ter a Ele como fundo de tudo quanto se dissesse. E à falta de estabelecer essa correlação, tornam-se muitas vezes pobres a Cristologia e a Mariologia na piedade popular,

A Santíssima Virgem é, sob certo ponto de vista, o lago no qual se mira o castelo. Toda a beleza que o lago mostra, de fato reside no castelo, mas a pulcritude da água se soma para embelezar a figura do castelo. Pode-se dizer também que, de certo modo, a pulcritude da criatura se soma à do Criador, mas a desproporção é muito maior, evidentemente.

Aqui está a imagem da piedade como nós a entendemos. Quer dizer, densa de reflexão e inteiramente equilibrada, em que o homem não precisa se espremer para adquirir piedade, mas ele se põe na boa natureza que Deus lhe deu, na tranquilidade e no bem-estar de sua alma.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/5/1978)

 

1) Ver nota 1 no artigo “São Vicente de Paulo, perfeita harmonia de espírito”, página 17.